domingo, 6 de junho de 2010

Ziza

Ziza era uma negrinha toda pomposa, na formosura de seus quinze anos. Morava numa vila do Galo Branco desde que se entendia por gente. Era ajudadeira e bonitinha a garota, dessas que causam boa impressão e todo mundo gosta. Era precisar de alguém para olhar as crianças enquanto a senhora cuidava de fazer a feira ou passar um amontoado de roupa, Ziza estava lá antes que piscassem os olhos. E a negrinha sempre ganhava uns trocados, era com isso que tratava de pintar as unhas e comprar a maquiagem para as bochechas. Vez ou outra conseguia juntar o dinheiro miúdo e comprar umas sandálias novas, que não duravam muito tempo de tanto ela sambar. Sabe esses feriados que ninguém entende o porquê mas existem? Então, uma dona aproveitou para visitar a irmã que já não via há uns meses. As crianças da vila - e até eu - pensavam que o nome da velha era Donivone, quando na verdade era apenas Ivone, mais essa forma de tratamento às senhoras. Pois, bem, sei que a dona viajou e deixou a casa por quatro ou cinco dias. No segundo dia longe, uns moleques inventaram de tomar banho na caixa d'água da velha. Carlinhos não queria muito ir, mas, como os outros insistiram, ele acabou aceitando essa ideia desmiolada. Foram subindo pelos buraquinhos dos tijolos e não tiveram trabalho maior que esse, a tampa da caixa vivia escancarada, era só entrar e mergulhar na água repleta de musgo. Ziza ia subindo a rua com a renca de pirralhos que levava de um lado para o outro e viu os três se banhando na caixa. "Ziza, Ziza!" Ainda gritaram o nome da negrinha querendo acenar. Alguns dias depois Dona Ivone estava em casa novamente. E quando abriu a torneira aquela água suja desceu pelo cano e foi direto às suas vistas. "Mas que diabos?" pensou. E a menina, que conhecia a causa, deu logo com a língua nos dentes. Melhor assim, porque a velha deu jeito de cobrir a caixa no mesmo dia. Acho que os meninos não levaram nenhum puxão de orelha, porque, por mais que fosse carrancuda, a velha era muito calma. À noite o samba rolava e em umas dessas rodas Ziza conheceu Ricardo, um mocinho branco, magro, dois anos mais velho que ela. Ninguém sabe dizer exatamente como eles se conheceram, pode ter sido com uma conversa besta ou um escorregão entre um passo e outro, mas se posso te afirmar algo, é que se apaixonaram um pelo outro naquela noite. Ricardo começou a frequentar as rodas de samba, mas ninguém o via, pois, na verdade, saía antes para se encontrar com Ziza debaixo do pé de manga, que por coincidência é o mesmo lugar onde ele construiu um barraco e mora hoje. Os dois estavam passanedo por aquelas loucuras de amor que todos um dia já viveram ou têm vontade de viver. Estava perto de completar dezesseis anos quando a mãe descobriu a aventura da menina. Ela disse que não apoiava esse namoro porque Ziza era nova demais, mas lá no fundo ela não queria que a filha se envolvesse com alguém que tivesse a cor da pele diferente, essa intolerância racial. Ziza ficou triste, tão triste que no dia de seu aniversário pegou uma garrafa de álcool, jogou em seu corpo e ateou fogo. Uma forma de protesto, talvez, ou amargura. A coitada se arrependeu e gritou, gritou desesperadamente por ajuda. A mãe viu, correu e lhe jogou uma bacia de água. A negrinha parou de gritar, teve um choque anafilático, morreu. Ficou um cheiro de carne queimada no ar, um sentimento de culpa no coração da mãe, no coração de Ricardo. Ziza poderia ter namorado escondida da mãe, mas preferiu tirar a sua vida do que enganá-la. A sua mãe poderia ter aceitado o fato de sua filha ser feliz, mesmo que fosse com alguém de outra cor. Ricardo poderia ter se matado também, mas decidiu seguir a vida e acabou se casando com uma garota que também morava na vila, uma garota branca dessa vez.

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